sábado, 4 de março de 2017

The Perfect Wedding / O Casamento Perfeito

Lilly had dreamed about her wedding day since she was a little girl.  As a child, she would frequently decorate her bedroom with pink ribbons and pretend to marry Mr. Diggle, her favorite teddy bear. Now, at the age of 28, she was finding it hard to believe that she was about to actually get married. Throughout her adolescence and adult life, Lilly had had a considerable number of disastrous relationships. However, even though some of them had hurt her, she knew that each one taught her something important about love, partnership and respect. She felt like all her experiences had led her to that specific moment. She had finally found the one and in her heart, she could only feel joy and excitement. The last couple of months had been very stressful. Who would think that planning a wedding would be so hard? So many little things to decide! However, being about to walk down the aisle with her dad by her side, she knew it had all been worth it.
Good Lord, in a couple of seconds she would be a married woman! This was crazy! She felt butterflies in her stomach. She heard the music start playing and watched her bridesmaids enter the ballroom. Lilly was the last one of her best friends to tie the knot. She had been a bridesmaid three times already! None of her best friends had a traditional wedding. Laura, the first one to take vows, had had one of those thematic weddings. Star Wars, can you believe it? She was dressed as princess Leia and the groom was wearing a Jedi costume. Even the cake was in the format of a Death Star. It had been very fun, but it was too unconventional for Lilly. At least it was better than Biancas wedding, the second one of the group to get marry. She and her - at the time - fiancé were a little short on money, so they preferred to use their savings for a trip to Europe. The ceremony had been at the courthouse, only in the presence of a few family members and close friends. Lilly understood her choice, but... your wedding day should be an exciting and special day, you know?  Her last friend to marry, before her, was Sheila. Sheila had set the date of the reception, but it all proved to be too stressful for her. Two months before the ceremony, she and her boyfriend, James, decided to elope. She called some friends and they went to Vegas to watch Sheila and James have their wedding officialized by a fake Elvis in some chapel.
Lilly frowned her forehead. She could never do what her friends did. She had always wanted a very traditional wedding. Thank God Jamie didnt care much about how they would tie the knot, so she had been free to do everything her way. The ceremony was being held at the ballroom of the same hotel her mother and her sister had married. Lilly was wearing a classic bridal gown and a veil. She also had in her hair her great grandmothers hairpin, a piece of family treasure, which was tonight her something old, something borrowed, and something blue. After the ceremony, she and Jamie would leave the hotel under a shower of rice and go to their airport in a car hung with tin cans and a sign saying just married.
The wedding march started playing and the doors were open. Lilly took a deep breath and then took a step in the ballroom. All eyes were focused on her. Many guests had smiles on their faces, some of them were even crying, but there was only one person who mattered to Lilly. Jamie. She was standing in the altar, with her shining eyes fixed on Lilly. She smiled as if Christmas had come early. She looked beautiful, even though she was wearing an embroidered jacket with tailored trousers instead of a white dress like Lilly wanted her too. She claimed that she hated dresses Well, I guess some traditions are OK to break. 


O Casamento Perfeito

Lilian sonhava com o dia do seu casamento desde que ela era uma garotinha. Quando criança, ela estava sempre decorando seu quarto com laços rosas e fingindo casar o Sr. Fofinho, seu urso de pelúcia preferido. Agora, aos 28 anos de idade, ela mal podia acreditar que estava mesmo prestes a se casar. Lília já havia tido um considerável número de relacionamentos desastrosos em sua vida, mas ela sabia que mesmo que alguns a tenham machucado, cada havia lhe ensinado coisas importantes sobre o amor, respeito e confiança. Ele sentia como se todas as experiências, mesmo as ruins, haviam sido importantes para que ela estivesse ali naquele momento. Ela havia finalmente achado a pessoa certa e em seu coração, ela só conseguia sentir felicidade e ansiedade. Os últimos meses haviam sido bem estressantes. Quem imaginaria que planejar um casamento seria tão complicado! Tantas coisinhas para preparar! Entretanto, naquele momento, prestes a entrar no salão com seu pai ao seu lado, ela sabia que tinha tudo valido a pena. 

Meu Deus, em alguns segundos ela seria uma mulher casada! Que coisa maluca! Ela sentia borboletas no estômago. Ela escutou a música começar a tocar e assistiu enquanto suas madrinhas entravam no salão. Lilian era a última de seu grupo de melhores amigas a se casar. Ela já havia sido madrinha algumas vezes! Porém, nenhuma das suas amigas havia tido uma cerimônia tradicional. Laura, a primeira a trocar votos, tinha decidido ter um casamento temático. Guerra nas Estrelas, acredita? Ela estava vestida como princesa Leia e seu noivo estava usando uma fantasia de Jedi. Até o bolo tinha o formato de uma estrela da morte. Havia sido muito divertido, mas era muito pouco convencional para Lilian. Pelo menos, tinha sido melhor que o casamento da Bianca, a segunda do grupo a se casar. Ele e seu – até o momento – noivo estavam com pouco dinheiro, então eles preferiram usar suas economias para viajar para a Europa. A cerimônia havia sido no cartório, somente na presença de alguns familiares e amigos. Lilian entendia a escolha da amiga, mas... seu casamento deveria ser algo especial, entende? Sua última amiga, antes dela, a se casar, havia sido Sheila. Sheila tinha marcado o dia da recepção, mas a preparação do casamento acabou sendo estressante demais para ela. Dois meses antes da cerimônia, ela havia cancelado tudo e fugido com o namorado, James, para Las Vegas. Ela só chamou algumas pessoas e, assim, nós a assistidos ter o casamento oficializado por uma imitação de Elvis Presley em uma capela qualquer.

Lilian franziu a sobrancelha. Ela nunca poderia fazer o que suas amigas fizeram. Ela sonhava com um casamento tradicional. Ainda bem que ela havia tido liberdade para fazer tudo a sua maneira. A cerimônia estava sendo no salão do mesmo hotel em que sua mãe e irmã haviam trocado alianças. Lilian estava usando um vestido branco tradicional, com véu e tudo. Ela com certeza iria jogar o buque e depois, ela e Dedé iriam partir para a lua de mel em um carro com latinhas penduradas e um sinal de “recém casados”.

A marcha nupcial começou a tocar e as portas foram finalmente abertas. Lilian respirou fundo e adentrou o salão. Todos os olhares estavam sobre ela. Muitos dos convidados estavam com sorrisos largos em seus rostos e alguns deles estavam até mesmo chorando, mas havia apenas uma pessoa que importava para Lilian: Dedé. Ela estava parada no altar, com seus olhos brilhando e fixo em Lilian. Ela estava linda, mesmo que estivesse usando calças ao invés do vestido branco que Lilian queria que ela usasse. Ela havia dito que odiava vestidos. Bem... acho que algumas tradições foi feitas para serem quebradas.
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sábado, 14 de maio de 2016

Luzes, Suor & Demônios

Um, dois, três

Eles colocam para dentro aquele líquido amarronzado. Fazem uma careta, mas parecem ter gostado.

Novamente.

Um, dois, três.

Dessa vez o líquido cheira a banana fini. Sinto uma pontada de inveja. Como o motorista, não posso me embriagar. Ou talvez pudesse... só um pouquinho. Não vai dar nada.  Será? O álcool atinge minha garganta e embora queime um pouco, o sabor é doce. De fato parece bananinha. Pronto. Agora vou me controlar.

Saímos. Sinto uma pontada de.. o que? medo? apreensão? Não importa. A internalizo. Vou ficar bem. Todos parecem animados.

Taylor Swift brada "shake it off! shake shake it off!"

Isso. Deixa isso pra lá. Vai ser bom. E ser não for... experiências! Enquanto esperamos na fila, me imagino me perdendo na multidão. Invisível. Mas um invisível bom. Não daquele tipo que costumava ser na escola. Solitário. Incompreendido. Não amável. Não. Só eu e as luzes colorindo meu rosto, transformando as lágrimas em arco-íris. Lágrimas? Não parece certo. Porque haveria lágrimas? Então, a música, as luzes e.. fumaça. Isso. Parece certo.

Entramos. Hm.. a música é muito alta. Espero que eu não fique surdo. E se ficar? Não, esse povo está aqui todo fim de semana e ainda parecem ter seus tímpanos intactos. Que povo mais... feliz? Talvez eu vire um deles. Talvez não me sinta deslocado. Talvez descubra que a minha vida inteira estive me protegendo de algo que só me traria prazer. É uma forma de escape, mas bem eficaz. Talvez traga felicidade. Álcool trás felicidade? Será? Acho que não? Será que estão o usando só para mascarar suas dores? Será que por trás desses rostos bonitos existem pessoas vazias?  Não parece. Não pode ser.

Queria ter bebido. Queria sentir o álcool em meu sangue diluindo as barreiras que construo entre mim mesmo e a dança. É só parar de pensar. Música boa. Se solta. Isso.

De repente sou só eu e a batida. Sinto meus quadris se moverem de forma natural. Olha só, sou menos travado que pensava. Quem sabe alguém não percebe o jeito que me movo e... sei lá. Chama a atenção.

A mente desliga.

"So so what, I'm still a rock star.."

Me movo para lá. Me movo para cá. Pulo. Canto alto. Agora entendo porque as pessoas gostam tanto de vir para essas coisas. Sinto uma sensação de liberdade indescritível. Não tem ninguém me julgando aqui. São todos como eu. Talvez não esteja me movendo tão bem quanto parece, mas quem liga? Ahhhhh

Sinto o suor escorrer, liberando todos os anos de solidão e inadequação acumulados. Sempre disse a mim mesmo que não gostava disso, mas hey! É divertido! Há menos pessoas do que pensava. O espaço é menor do que eu achava. Sou alto demais para me perder na multidão. Não importa. As pessoas dançam. Não existe crise política aqui. Os dilemas e preconceitos da sociedade parecem até distantes. Preciso aproveitar essa sensação. Talvez ela dure para sempre. Espero que sim.

Cadê ele? Ah, ali! Amigo! Dança comigo!

Ele se afasta. Nem ouço para onde vai. Não importa. Estou bem aqui. Pink já dizia "you can always party on your own". Talvez eu mesmo seja suficiente...

Ele volta. Ficou com alguém. Estou feliz por ele. Vem passando por momentos difíceis. Teve o coração dilacerado recentemente por alguém que simplesmente não conseguia amá-lo como deveria. Como ele merece. É bom vê-lo feliz. Sorrindo. Desinibido. É bom saber que a vida pode ser prazerosa.

Nos movemos para o centro da pista. Alguém me chama atenção. Usa um colar. Não consigo enxergar de que é o pingente.  Mantenho meus olhares fixos. Ao redor de mim as pessoas exalam liberdade. Olhares são trocados. Lábios se encontram. Imagino chegando até mim. Não vem. Penso em ir até lá.

Não. Melhor não.

Percebo algo se movendo em minha mente. Não!

Tento impedir.

Não.

A música.

Se concentra na música. Se concentra no suor atingindo a pista de dança. Se concentra nas luzes e no clipe que passa no telão. Você é suficiente. Tá tudo bem. Alguém deve chegar até você.

Não.

Ninguém chega. Porque chegaria? Você é feio.

Quantas horas serão agora?

Hora de trabalhar. Bom... dia para você, ser humano. Bom? por que bom?

Você é gordo.

Ninguém te quer.

Repulsivo.

Ela grita. Não é você! Mas é sim. Ele conseguiu. Ele não precisou fazer nada. Um. Dois. Três.

Talvez possa falar com alguém.

Não. Rejeição.

Rejeição.

É o único cenário possível.

Minha mente está a todo vapor. De repente a liberdade dele me oprime. Sua felicidade me sufoca. Preciso me afastar. Vou para o canto. Observo a multidão. Onde estava na cabeça em vim para um lugar cheio de quem não posso ter? Só queria que alguém me provasse errado.Que alguém cute sorrisse para mim. Que alguém me dissesse que não sou repulsivo.

Por fora.

Por dentro.

Talvez não tenha me arrumado direito.

Não. Genética.

Para de ser ridículo! Vai aproveitar. Ficar sofrendo com algo tão fútil... é estúpido. Cérebro, me ouça! Volte a dormir. Eu até posso cantar canções de ninar para você;

Não vai não. Veio para ficar. De repente eu só queria ir para casa. Sinto uma dorzinha na garganta. Sei que é choro vindo, mas não deixo ele sair. Tento bloquear meus ductos lacrimais. Inspiro fundo e expiro. Engulo o choro, mas ele voltou abrindo um buraco no meu peito. Ah! Esse vazio terrível. Odeio essa sensação. Sensação... nem parece que há... peguei o celular. 2 horas! 2 horas de leveza. Agora a dor é maior do que eu possa suportar.

Muito maior.

Me sufoca.

Sinto minhas entranhas se contorcerem.

Ele vem até mim e pergunta se estou bem. Claro que não, não percebe? Mas não é o que respondo. Me recuso a deixar minha mente estragar a noite dos outros. Só a minha. Isso é inevitável, mas pelo menos posso poupar os outros. Digo para voltar. Ainda bem que ele me escuta.

Encaro o relógio e os minutos lentamente começam a correr. Podemos ir embora!

Entramos no carro. Ele está tão feliz. Me sinto péssimo por me sentir ofendido com sua felicidade. Por que não pode ser eu?

"Que noite fantástica!"

Só quero que ele se cale. Piso no acelerador. Quanto mais rápido ele se for, melhor. Chegamos. Ele se vai. Me agradece. "De nada". Quase um sussurro. Lembro de um tempo em que conseguia ostentar até a mais pesada das máscaras no rosto. Esses dias estão no passado. Meu interior preenche minhas feições. Ainda bem que está escuro.

Ele acha a noite sinistra. Eu sempre achei tranquilizadora. O silêncio. O vazio nas ruas. A serenidade. Sempre me trouxe paz. Tento absorver essa paz.

"Why you wanna fly, balckbird? You ain't never gonna fly"

Meu ouvido está zumbindo, mas a voz poderosa de Nina Simone ainda consegue chegar até ele. O que estava pensando? Porque achei que poderia ser diferente? Para que essa necessidade de afirmação? Para que sonhar com algo que nunca virá? Você é oco. E nem mesmo tem uma casca bela.

"I guess I rather hurt than not to feel nothing at all"

Não, Lady Antebellum. Vocês estão enganados. Se prefere a dor, deve ser porque nunca sentiu algo com uma magnitude semelhante à minha. Só quero que ela desapareça. Preciso me anestesiar.

Há poucos carros na estrada. Não há curvas. Então enfio o pé.

80.

90.

100.

120. O mais rápido que já cheguei. Será que consigo ir além?

130. O carro sai do meu controle.

140. Que sensação... a adrenalina pulsa em minhas veias. O perigo eminente é assustador, mas excitante.

Lá vem a clareza. Estúpida clareza. Não é tão perigoso assim. Vale a pena. Sinto que estou voando pelo asfalto. Não ouço mais a música, tampouco as vozes que sussurram no meu interior.

03:33. Dizem que esse é o horário em que os demônios andam livres na terra. Bem, os únicos demônios que consigo reconhecer moram dentro de mim. Mas a 140 km/h eles não conseguem me alcançar. Não posso parar ou eles vão me alcançar.

Sigo em frente. A vontade de chorar passou. Percebo que a confusão de pensamentos está finalmente voltando a diminuir e eu consigo me concentrar só na estrada.

É então que algo me chama a tenção. Piso no freio. Volto a andar no asfalto.

Uma luz.

Um flash.

A clareza retorna e ela me faz entender o que está prestes a acontecer.

Merda.


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sábado, 16 de abril de 2016

Desconexo?



Despido, tremendo de frio, pulmões em fogo, chorei


Um choro amargo, desesperado, desamparado


Mesmo sem saber por que, por conexão com o outro clamei


E então, no calor do seio recebi o que por mim era desejado






Espantei-me ao ver aquele mar de criaturas


Lá me lançaram dizendo “Querido, faça um amigo!”


Senti meu rosto queimar. “Que realidade dura!”


“Não fui feito para isso. Pra que? não tem motivo!”






Somente comigo mesmo decidi então conviver


Isolei-me, já que “não sou ser social”


“Por pessoas não vou mais sofrer!”






Foi então que em um dilema um dia me encontrei


Poderia ter acontecido algo especial?


Sim. Me apaixonei







  
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segunda-feira, 27 de julho de 2015

Normal

Qualquer semelhança com a realidade é mera confidencia

Em uma tarde ensolarada de julho, sentei eu meu carro, com o envelope na mão. Estava suando devido à caminhada até o prédio do laboratório. Em pleno inverno, o sol não deveria brilhar tão forte, mas a cidade em que vivia tinha um clima confuso. Tão confuso quanto as milhões de sinapses que meu cérebro realizava a cada minuto.  Minha boca estava seca. Procurei por água, mas não havia nenhuma garrafinha de água cheia por perto, embora houvessem diversas vazias espalhadas pelo chão do carro. Até aquele momento, nunca tinha pensado em como isso era irônico. Tentei estimular minha boca a produzir saliva, para que pudesse umedecer os lábios rachados e depois a engoli lentamente. Suspirei e então lembrei do envelope em minhas mãos. Senti receio em abri-lo. Não sei por que. Sabia que provavelmente não teria dado nada... mas e se desse? Nunca havia sido do tipo cerimonial, que ficava encarando algo sem ter coragem de agir. Com esse pensamente, abri o envelope e retirei os papéis que se encontravam dentro. Como não entendo nada da linguagem médica, direcionei meu olhar para a parte em que indicava a "conclusão". Foquei na palavra "normal".

Normal. 

Normal.

Normal.

A palavra ecoava em meu cérebro. Eu, normal? Senti uma grande melancolia irromper dentro de mim. Lágrimas começaram a brotar dos meus olhos. Como posso ser normal se... estou em uma batalha diária com meu próprio próprio ser? Como posso ser normal se não consigo manter relacionamentos saudáveis? Como ser normal quando minha própria mente me assombra? Isso está certo? Tem certeza que sentir como se unhas pontudas estão furando seu cérebro toda vez que tenta se concentrar e ser incapaz de produzir um argumento ou discurso coerente é normal?, penso.

 A verdade é que mesmo sabendo que não teria, esperava que tivesse um tumor ou algo do tipo. Não, esperava não. Desejava é a palavra. Sim, devo ser a única pessoa na história da humanidade que desejava ter um tumor no cérebro. Não quero fazer pouco caso das pessoas que tem essa condição. Sei que é algo terrível.. sei que muitas famílias sofrem em ver seus filhos, filhas, esposas, maridos, tios e tias lutarem contra a bomba que se encontra em suas cabeças. Sei disso tudo, mas não consigo evitar de me sentir entristecido. Como isso é normal? Um tumor explicaria tantas coisas. E seria reversível. Poderia ser uma sentença de morte. Mas que mal haveria nisso? Não é o que venho desejando há tanto tempo? Mas se fosse reversível... era só tirar e pronto. Meus demônios desapareceriam. Poderia finalmente ser... normal.

Normal

Normal

Meu cérebro aparentemente é perfeito. Não há nenhum problema biológico. Então o que é que afinge minha alma? Tantas pessoas gostariam de estar em minha posição. Gostariam de ter lido as palavras que li. Começo a sentir raiva de mim mesmo por sentir o que sinto. Talvez seja medo ingrato. Talvez seja algum tipo de ironia do destino ou até mesmo castigo divino, pois não tenho nada que comprove aos outros que não, não é minha culpa ser assim. Não sou eu. É o tumor. Não é o tumor. Não é o cérebro. É a mente. Irreversível. Sou eu. Serei assim para sempre. Sou louco. Me internem, pois não há solução para meu problema. Não há cirurgia. Mas quem garante que não estou fingindo? Quem garante que não só sou um covarde, com medo de enfrentar o dia-a-dia. Talvez eu seja... normal. Talvez eu não queira mesmo fazer nada e continuar nesse limbo para sempre. 

Poderia eu ser normal, mas estar louco? Ou seria eu louco?

Estou preso dentro de mim mesmo. Grito. Esperneio. Dou piti. Arranho as paredes do meu cérebro com minhas unhas. Enlouqueço.

Mas sou normal.
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segunda-feira, 29 de junho de 2015

Between the Devil and the Deep Blue Sea

She stared at the box of pills and the bottle of vodka. She knew only pills would not be enough to send her to another world. For months, she had planned the best way to do it. She read a lot of stuff about it and found out that only 12% of the attempts of suicide with pills are effective. There were more effective methods, of course, but they were all too dramatic and too messy. Imagine the commotion that it will be if she jumped of a building. She could even make the news and she would absolutely hate that.  She didn’t want to call any attention. So she opted for the pills. Combining it with alcohol, maybe it would work. She hoped it would be enough.
She was very sure that this was her only way out, but now... something was holding her back. She had been starring at the objects for a while now and she just couldn’t bring herself to open them and take it. Perhaps it was guilt? She knew her mom would be devastated. They say there’s no pain like the one of losing a child and she hated to put her mom though it. Especially after... argh. She sighed, frustrated. Damn, that’s so fucking hard! Tears began to stream down her face. Her heart was beating out of her chest. She wanted to scream until her lungs bled, smash something and curse the stupid idiot who had the idea of bringing her to planet earth.
Near to the bottle of vodka, it was a letter. It had been an attempt of explaining to her mom why she was doing this. She was very good in hiding feeling.  Knowing that the demons she held captive would freak her family out, she got used to lock everything inside herself. Recently, though, things had begun to pour out of her. She couldn’t bear it. It hurt so much... She had confessed to be depressed and her mother took her to see a psychiatrist. He gave her some pills and told her that everything would be fine. It was very expensive, so she dropped out after two sessions. She didn’t think he would be able to help her anyway. He didn’t understand. No one did…
She took a deep breath. It was now or never. Her mom had to take care of Benny, so she would have to get over it for him. Little, sweet Benny. They would be Ok.  “I’m sorry mom… I’m so sorry”, she though, putting the fifteen pills in her mouth at once and drinking a gulp of vodka… and then another… and then the whole bottle. Some minutes later, the world vanished and her head hit the floor.


“Evanna Viveret, 24 years old, attempt of suicide by overdose. According to her mother she took doxepin combined with 500 ml of ethanol”, the intern informed the attending physician. A mid-aged woman followed the doctors as they carried the girl through the hallways of the hospital. She had a blank expression in her face. They arrived at the elevator. One of the doctors told her she could not go any further, that they would try their best to save her daughter and that someone would come as soon as possible with an update. But the woman had only understood half of what the doctor said. As soon as the stretcher entered the elevator, the world begun to spin for her.
 She couldn’t understand. She knew Evanna had been feeling depressed, but after starting to see that doctor everything was fine… At least she thought they were. The last thing she thought when she left home that afternoon to take Benny to a party is that she would come back home to find her daughter lying unconscious in a pool of blood on the floor.  How could I not have seen? Why didn’t I try harder to help her? My baby girl… She had been very practical until now. She did not let herself freak out when she found Evanna. She wasn’t cold blooded, but she knew that once she opened space for emotions she would not be able to function and at that moment she needed to act quickly. Maybe there was still a chance to save Evanna. She had called the ambulance, locked the door, dropped Benny in the neighborhood’s apartment and informed the doctors the name of the drug when the ambulance arrived. However, she couldn’t do anything now. The destiny of her daughter was now out of her hands. She was starting to sink in what happened. My baby girl... Her breath was heavy. Her mind was drifting. My baby girl...  Everything became pitch black and she lost consciousness.

Where am I?
Evanna looked around. Her vision was a little blurry and her mind was fuzzy.  As she tried to focus, her sight began to come back. It was possible that… she was in a hospital? How did I get here? And why? She did not remember what had happened. Her last memory was being at home, lying in bed and listening to sad songs. I hurt myself today/ to see if I still feel/ I focus on the pain/ the only thing that’s real. She was standing in the corner of the room. She could see some strange equipment and three people dressed in white around a table. They were too concentrated in their work to realize she was in the room. Evanna moved closer to the table in order to have a better view on who was lying there.
“It’s… me!”
Evanna felt a cold sensation took over her body. How could that be possible? How could she be standing there, watching her own body in a hospital table? Suddenly flashes of memory appeared in her mind. The bottle of vodka. The pills. The guiltiness. The feeling that it was the only solution. Suicide… she had committed suicide. Was she dead? She was not seeing any bright lights or any shadow. No one was calling her name. What if she was now a ghost, doomed to wander around forever? She, then, noticed a sound coming from one of the machines. Bip, bip, bip.  Her heart was beating, which indicated that she was still alive. This is so fucked up, she thought, walking to the exit of the room. She did not know what was happening, but she could not stand to be in that room, looking at herself in that state.

The halls were not empty, but no one seemed to be paying attention to her.  It wasn’t a new feeling to her. Evanna had always felt invisible. At high school, she had no friends. Thus, she would walk on the hallways unnoticed, being pushed out of the way occasionally by someone. They would never apologize. She was always listing to music with her headphones and trying to keep her head down in order not to make eye contact to anyone. In college, things changed a little. For whatever reason, some people talked to her. Some of them, she could even consider friends. However, she always kept a distance between them and the real Evanna. She knew they wouldn’t understand the complexity of her feelings.  
Without knowing where to go, Evanna just roamed around for a while, trying to pay attention to what happened around her. She saw in a room decorated with flowers and pictures an old lady surrounded by a bunch of people. She had the most genuine smile that Evanna had ever seen. In another apartment, a young man was lost in thoughts, starring at the window. He had a bandage in his head. Evanna wondered about what he was reflecting. Was he happy? Was he sad? Was he relieved? Was he feeling lonely? Was he living a dilemma?
Evanna kept on walking. Suddenly, she stopped at the door of a small room. Something had called her attention. A child was lying in the bed, dead to the world. Two peoples were with him. Evanna assumed they were the boy’s parents. The father was with a hand on the shoulder of the mother, who was helplessly sobbing while holding tightly the body of the child. The scene made Evanna think of her own mother.  How is she handling with all of this? Is she here? I should try to find her…

The phone had been ringing for a couple of minutes before Mara Viveret realized that in fact it was her phone buzzing. After fainting, a kind nurse had taken care of her. She was now sitting uncomfortably in the waiting room, drinking a cappuccino that the nurse had bought her and thinking about how her life had become so messy. When Benny was just a baby, her husband, Marcus, died in a car accident. With two little kids at home and a demanding job, Mara had to fight the impossible to overcome the situation. There were times when she thought she would not survive, but she stayed strong. Evanna and Benny needed her. With time, things began to get better and finally her life seemed to have fallen into place agian. Mara never thought, not even in a million years, that she would have to get through the death of another person she loved again.  
“Hello”, Mara said feebly, answering the phone. “Hi Marie. Is Benny Ok?”
 Marie was Mara neighbor and best friend. She had been there for her in her darkest times and Mara knew she could count on her. God bless true friends like Marie.
“Thanks for watching him… No, the doctor still hasn’t said anything… Thanks, Marie, I appreciate… Well, I thought she was doing better too. There was a letter when I found her, but I didn’t... Oh, Marie. I don’t know what to do”.
Once again, Mara was shedding tears. She felt so helpless, so devastated, so lost.  What would she do if her baby girl died? She didn’t know if she would ever be able to get off bed again. If only Marcus were still here… She hung up the phone and tried to control herself. Crying wouldn’t help in anything. Like Marie said, everything would be Ok. She had to believe in that. Evanna would survive and this time she would take care of her. She would love her daughter as like had never loved anyone. Everything will ok. Everything will be fine. Oh God… help me. Help her. Help us!

“Mom!”, Evanna shouted when she found her mother in the waiting room and run to her, but Mara didn’t listen. Evanna had only seen her mother in such a bad state when her father died. Mara was shivering even though it was not cold, her hair was a mess and her eyes and nose were red. She looked like she hadn’t slept or bathe in weeks. Evanna hated to see her mom like that… She hated even more the fact that she was the one who had caused that. How could she be so selfish? What if mom falls into depression? She remembered feeling empty, useless, numb. She didn’t wanted her mom to feel the same. Oh my God, what will happen to Benny? Evanna felt her chest on fire. She hated herself so much. But… she couldn’t stay alive! There had been no option; she did not know how to live! Her brain began to make up excuses, saying that it was not entirely her fault, but deep down in her soul, Evanna knew she deserved to go to hell. Suddenly she felt a force pulling her. What was happening? She was being dragged back to the operation room. Was she dying? She looked to her hand and realized she was fading.
“Goodbye mom”, she whispered.

Sand. She was in a beach. It was night. The sky was full of stars, but there was no moon. The sand was wet and she could hear the waves crashing on the rocks. She looked to the sea. There was a glow in the water that didn’t seem natural. She shivered. It was cold.  What’s happening? Am I dead?
“Not yet”, she heard a voice saying behind her. She turned to see whom was the person talking to her. The view of who it was surprise her so much that she almost fell.  Her heart was now racing and her eyes were all of sudden filled with water.
“Dad!”, she screamed and run into his arms. He held her affectionately, caressed her hair and let her cry. Evanna was not only crying like a little girl, she was howling; making sounds that didn’t sound like something a human could produce. It was impossible to describe how she was feeling. She just let everything locked inside herself pour out of her. She didn’t know how long she cried. It felt like ages, but eventually she was able to calm herself down.
“Better?”, her father asked. She nod, sniffing. She took a deep breath and let go of her dad’s arms.
“Am I dead?”, she asked slowly.
“Not exactly”
“Where… what am I, then?”
Marcus did not answered right away. He had a very enigmatic expression on his face. Maybe he doesn’t know… Marcus finally opened his mouth, but before he could utter any word, Evanna asked:
“You are dead, aren’t you, dad?”
“I am, honey”.
“How can I not be, then, if I’m here with you? Is this a dream?”
He touched her cheek, just like he used to do when she was little.
“I know you have a lot of questions, honey, but I’m sorry to say that don’t have the answers for most of them”
Evanna felt a little disappointed. If he didn’t have answers, who would have then?
“What I know, honey”, Marcus continued, “Is that you have a choice to make. Let’s take a walk on the beach”.
Evanna nod once again. She took a closer look at her father. He didn’t seem to have aged at all. He matched exactly the image Evanna had of her father in her memory: a black t-shirt with a drawing of the Rolling Stones logo, a two days beard and the hair slicked back. He also smelled like coffee. Evanna had always loved coffee, because it remind her of the cold Sundays when she, her mom and her dad would watch the morning shows wrapped in blankets and drinking the hot beverage. 
“You’re not dead, Ev. Not yet. But you’re not alive either”, Marcus said, “You are between life and death”
Evanna was listened carefully. She tried to process the words of her father the best way she could.
“Who decides if I live or die then? God?”, she asked.
“Ah… for some people – and I don’t know why – it’s given a second chance. Maybe when you decided to end your life, your time hadn’t come yet... I don’t know.  The thing is, honey, only you can decide what you wanna do.”
Evanna certainly didn’t expected that. She thought she had already made her choice when she took the pills.  The question now was: should she make a different one? She thought about her mother, how anguished she looked in that waiting room. She cared about her, but… it was worth it to come back now, just to break her heart later with her lack of ambition and inability to live fully?  
“Do you remember, Ev, when your was little, what you said you wanted to be?”, Marcus asked, bringing Evanna back from her reverie. Before her father died, she remembered having a happy childhood. Of course, some bad stuff happened, but they did not affected her so badly this kind of thing would affect her now. She took things more lightly when she was a kid. Now, every little thing felt like the end of the world. In fact, that was exactly what the psychiatrist had said: the main issue was the way she faced the problems of everyday life. Nevertheless, what he didn’t understand was that she didn’t know how to face them.  Things felt like the end of the world, because for her they were. It wasn’t a matter of perspective, she was stuck in this bubble of numbness and self-loathing.
Evanna realized that she had not answered the question of her father. What she wanted to do when she was little? She didn’t know the answer. She couldn’t remember.  The feelings of childhood appeared to be so distant now. However, it had just strike her that she knew what she wanted now, at the age of 24. The truth is that she didn’t wanted to die. She wanted to be able to live, not only survive. She wanted to be able to do her best, get a job she liked, find someone nice, have a family, travel… Normal stuff like that. Why everything seemed so difficult for her? Why everyone was able to accomplish this things, but she wasn’t? Evanna emitted a cry of frustration. She hated when people said she had no reason for being depressed. “You have such a great life”, they said. But no one were in her shoes. No one lived her life. It was true she wasn’t a kid starving in Africa, but each person fight their own battles… Her struggle wasn’t physical, it was emotional and no one would ever know exactly like she felt. How she couldn’t do things, no matter how hard she tried. It was like if she was trapped in a spider web.
Bip. Bip. Puuf. Suddenly, a deafening sound began to echo in the beach. Evanna looked around, trying to find the origin of the sound. It appeared to be coming from nowhere.  
“What is this?”, Evanna shouted to his father.
“It’s the sign, Ev. The time has come. Your heart stopped and they are trying to bring you back. You can choose to give up and go to whatever there is beyond this beach or… you can choose to come back and do your best to be the person you want to be”
“But I don’t know if I can! Dad, I’m scared!”
Marcus looked fondly into Evanna’s eyes.
“I know, honey, I know”.
Evanna was desperate. She wanted more time… more time to think, more time with her dead. What guarantees she had that this time things would be different? Yet, she was afraid of what she would find if she chose to die. I doubt suiciders go to heaven... Suddenly she felt dizzy. Something was pulling her, even though she still wasn’t sure to where she was going. The beach slowly began to fade. Her father was smiling and then he was gone. 

“It is not in the stars to hold our destiny but in ourselves.”

William Shakespeare
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segunda-feira, 15 de junho de 2015

We Need to Talk

With his heart in his mouth, Aiden parked his car in front of the house. He was a fine young man. 25 years old, had recently become the youngest senior partner of the Newman & Foster law firm. More important to him though, was that he had just become engaged. Yes, he was doing great. Better than he had ever expected. However, there was this one thing that he knew was preventing him to feel truly happy.
He turned off the engine of the car and took a deep breath, trying to calm himself down. As a child, he was close to his father. However, everything changed when his mother left home. He never knew why; his father wouldn't talk about it.  He wouldn't talk much about anything, actually. After that, he became unreachable. He would still support Adrian with material needs, but emotionally he was just gone. He buried himself into work and pretended Aiden didn't existed. Abandoned by the mother and ignored by the father, Aiden had for many years filled the pockets of his therapist with money. But it was all water under the bridge now. Aiden was going to get marry soon and he decided that he wanted his father to be there. He wanted to make things right. Of course, first he would have to tell his father that he was actually marrying a guy.   
Aiden didn't know what his father thought of gay people. He came out while still in high school, but he never though his father deserved to know. After graduating, Aiden left home for college and never looked back. He hadn't seen his father in almost three years now. They talked on the phone occasionally, but never for too long.
With sweaty hands, Aiden opened the door of the car. He wanted to make emends. Perhaps after seeing Aiden open himself, his father would stop to think about all the things he was missing and they could build a relationship.
Aiden took a first step towards the house. It felt like a long run. He rang the bell. Suddenly, he realized he wasn't breathing and tried to gasp for as much air as he possibly could. The door opened.
A woman. Who was she? Had his father sold the house? Had he remarried? Suddenly, he felt his blood begin to boil. How could this fact have never be mentioned on the phone calls? It was true that neither of them talked much about important stuff, but still... how could he? Aiden felt his hands shaking. What in the hell was he doing there? Some wounds just cannot be mended! Things were too messed up to be fixed. From now on, Aiden would permanently cut his father out of his life.
Before he could walk away, though, the woman threw her arms around him. Was she crying? He tried to push her away, but she was holding him tightly. 
- Who are you? - Aiden mumbled, feeling more puzzled than never. Still sobbing, the woman released him of her embrace and looked directly into his eyes. He recognized her before she opened her mouth. 
- Its' me, Aiden. Your dad. 


Nó Precisamos Conversar (versão em port)


Com o coração na mão, Aiden estacionou seu carro em frente da casa. Ele era um respeitável jovem adulto: 25 anos de idade, tinha acabado de se tornar o mais novo sócio do escritório de advocacia Newman & Foster. Entretanto, algo era mais importante para ele que isso: ele acabara de se tornar noivo. Sim, ele estava indo muito bem, melhor do que ele alguma vez podia esperar. Porém, havia uma coisa que o impedia de ser genuinamente feliz.

Ele desligou o motor do carro e respirou fundo, tentando acalmar-se. Quando criança, ele era muito próximo de seu pai. Contudo, tudo mudara quando sua mãe saiu de casa. Ele nunca descobriu por quê, seu pai nunca falava disso. Na verdade, ele não falava muito sobre nada. Depois desse acontecimento, ele se tornou inalcançável. Ele ainda supria Charlie com bens materiais, mas emocionalmente ele não estava presente. Ele se enterrava no trabalho e fingia que Aiden não existia. Abandonado pela mãe e ignorado pelo pai, por anos Aiden havia enchido o bolso de seu terapeuta de verdinhas. Mas isso tudo eram águas passadas agora. Aiden iria se casar em breve e ele havia decidido que queria que seu pai estivesse lá. Ele queria consertar as coisas. Claro, primeiro de tudo ele teria que contar a seu pai que ele estava na verdade casando com outro homem.

Aiden não sabia a opinião de seu pai sobre homossexualidade. Ele tinha saído do armário ainda na escola, mas ele nunca sentiu que seu pai merecia saber. Depois de se formar, Aiden saiu de casa, foi para a faculdade e nunca olhou para trás. Ele não via seu pai fazia três anos. Eles se falavam pelo telefone de vez em quando, mas nunca por muito tempo.

Com suas mãos suando de nervosismo, Aiden abriu a porta do carro. Ele queria fazer as pazes. Talvez após testemunhar Aiden se abrir, seu pai iria notar tudo que estava perdendo e eles poderiam finalmente construir um relacionamento.

Aiden caminhou lentamente até a casa. Ele sentiu como se tivesse sido uma longa jornada. Tocou a companhia. De repente, ele percebeu que não estava respirando e tentou encher seus pulmões com a maior quantidade de ar possível. A porta foi aberta.

Uma mulher. Quem era ela? Seu pai tinha vendido a casa? Será que ele tinha casado novamente? O sangue de Aiden começou a ferver. Como esse detalhe nunca tinha sido mencionado nos telefonemas? É verdade que nenhum deles falava muito sobre nada importante, mas ainda assim... como ele pôde? Aiden sentiu suas mãos começarem a tremer. Que diabos ele estava fazendo ali? Algumas coisas não podem ser consertadas! Algumas coisas estão simplesmente bagunçadas demais… De agora em diante, Aiden decidiu, ele iria cortar seu pai permanentemente de sua vida.

Antes que ele pudesse ir embora, entretanto, a mulher jogou seu braços ao redor de Aiden. Ela estava chorando? Ele tentou se desvencilhar dela, mas ela o estava segurando em um braço apertado.

- Quem é você? – Aiden murmurou, se sentindo mais perdido que nunca. Ainda aos prantos, a mulher o liberou do abraço e olhou profundamente em seus olhos. Ele a reconheceu antes que ela falasse.


- Sou eu, Aiden. Seu pai
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domingo, 7 de junho de 2015

Em Teu Olhar de Mel

1.

Estávamos deitados na grama molhada, brincando, como duas crianças despreocupadas, de atribuir formatos às nuvens. Eu segurava sua mão. Sentia um formigamento onde sua pele tocava a minha.

- Olha lá, aquela parece um cachorrinho - eu disse, apontando a nuvem com o dedo livre.

- Em que planeta?

Olhei para ele e vi que estava sorrindo.

- Uai, neste aqui, oras - respondi, soltando sua mão e beliscando sua cintura.

- Ai, essa doeu! - ele reclamou, levantando e fazendo beiço - agora vai ter que fazer algo para compensar.

Fiz um impulso e sentei.

- Tudo bem, não precisa dar uma de bebê chorão. Sabe que não resisto a essa sua cara de cãozinho abandonado. 

Sorri e fui me aproximando de seus lábios. Eles pareciam convidativos. Molhados, doces. Fui me aproximando lentamente. Eu queria provar de seu sabor, sentir o seu toque.  Eu queria me perder em seus braços e mergulhar...

- Ei, brother, acorda! Chegamos na rodo.

Acordei assustado. Onde estava? Quando estava? Ah é, ainda dentro do ônibus. Estava tão cansado que acabei adormecendo. Sem graça, olhei para o cobrador. Ele me encarava como quem pensasse “mas que sem noção”.

- Desculpe - murmurei e desci apressado. Estava ainda um pouco desorientado, daquele jeito que você fica quando é acordado subitamente de um sono profundo. Suspirei. Que pena que fora só um sonho... Tentei me recordar do rosto do moço com quem sonhara, mas ele aparecia nebuloso em minha mente.

O céu estava cinzento. Ameaçava chover e eu não havia trago guarda-chuva. Caminhei em direção à faixa de pedestre, temendo que a chuva começasse a cair. Tinha conseguido descansar um pouco no caminho, mas os minutos extras de sono me atrasaram.

Algumas pessoas esperavam no sinal. Uma maré de carros flutuava pelo asfalto. Comecei a sentir um embrulho no estômago. Eu definitivamente iria me atrasar e se tinha uma coisa que meu chefe odiava, eram atrasos. Imaginei-me levando sermão dele na frente de todo mundo. Senti um calafrio. Não havia nada que eu temia mais do que ser humilhado publicamente. Com tal pensamento, meu coração começou a acelerar. Conhecia esses sintomas, estava começando a ter um ataque de ansiedade... Ótimo. Era tudo que eu precisava agora. Observei que o fluxo de carros havia diminuído e nada do sinal abrir. Já haviam se passado quantos minutos? Parecia uma eternidade. Ah, quer saber? Vi que havia uma brecha e corri para o outro lado da rua, por pouco evitando ser acertado por um carro.

Suspirei, aliviado, sem notar que vinha uma moto em minha direção. Lembro de ser lançado para frente e sentir uma forte dor na cabeça. Depois disso, mais nada. 

2.

Estava no telhado de um prédio. Nevava. Estranhei. Neve, em um país tropical? Sentia os flocos tocarem minha pele, mas não sentia frio. Olhei para baixo e percebi que não usava nenhuma roupa além de uma cueca azul. De repente, comecei a tremer. Abracei-me. A neve engrossou, se acumulando no chão. Visualizei a porta que dava para as escadas. Corri para ela, mas estava trancada. A neve acumulada no chão começava a querer me encobrir. Já estava alcançando meus joelhos. Parecia água que aos poucos vai enchendo um tanque. Tentei chutar a porta, nada. Lancei o olhar para o outro lado de espaço e decidir correr até a borda do telhado. Meu nariz escorria. Sentia minha respiração pesada. Subi no muro. No chão, a neve continuava a subir. Em breve transbordaria. Em pânico, pulei. Senti-me caindo, caindo, caindo. O chão se aproximava rapidamente. Preparei-me para o impacto, tentando proteger o rosto com as mãos... 

Acordei banhado em suor. Tentei me sentar, mas senti uma forte dor e desisti. Olhei ao redor. Onde estava? Parecia um quarto de hospital. O que tinha acontecido? De repente, alguém entrou no quarto.

- Finalmente você acordou!

Reconheci a voz da minha mãe. Ela correu até mim e me abraçou.

- Ai! - reclamei.

- Desculpe amor, desculpe.

Sua voz estava chorosa. Ela sentou na borda da cama e colocou sua mão no meu rosto.

- Eu fiquei tão preocupada - ela exclamou, de forma doce.

- Mãe, o que aconteceu?

- Não se lembra? Você foi atropelado por uma moto. Bateu a cabeça. Sofreu uma concussão, quebrou um braço e fraturou uma costela. 

Ela falou isso mecanicamente, como se tivesse decorado a informação. Concentrei-me em suas palavras. Tentei me recordar. Lembrava de estar atrasado e de atravessar a rua, mas depois disso as memórias estavam confusas.

- Não sabia que uma moto podia causar tanto estrago - disse, sorrindo com o canto da boa.

- Ah, querido. Por que tinha que ser tão descuidado? Você podia ter morrido. Não gosto nem de pensar...
                                                                                            
Algumas gotas de lágrima começaram a brotar de seu rosto. Ela era assim mesmo, sempre emotiva... 

- Tá tudo bem, mãe.

Ela acariciou minha bochecha e se levantou. Pegou um copo de água e me entregou, fungando. Ela, então, começou a enxugar suas lágrimas em uma tentativa de se recompor.

- O médico disse que você teve muita sorte. Disse que pelo jeito que bateu a cabeça poderia ter sofrido uma lesão cerebral mais séria. 

Franzi a testa, sem saber o que dizer. Eu sei que deveria ter tomado mais cuidado, mas o que poderia fazer agora? Minha mãe soltou um suspiro.

- Mas o que importa é que nada disso aconteceu, graças a Deus... Ele deve ter um plano muito grande pra você, querido.

- Sim, graças a deus. - murmurei, em tom de deboche. Minha mãe me reprimiu com o olhar. Ela era bastante religiosa. Já eu, nem tanto.  Por anos havia sido arrastado para a igreja com meus pais até que um dia decidi que não queria ir mais. Não me identificava, sentia-me deslocado e discordava de muito do que era pregado. Nem ela, nem meu pai tinham gostado muito disso. Rolou bastante drama, mas com o tempo eles foram aceitando. Ou tolerando, pelo menos. Sabia que eles gostavam nem um pouco de ter um filho desviado. Ela ainda dava um jeito de mencionar Deus em grande parte de nossas conversas. Isso me irritava um pouco. Não que eu não acreditasse de jeito nenhum em Deus – ou em um deus - mas sabia que nem tudo podia ser do feitio dele.  Ele tinha mais coisas para se preocupar do que comigo e com meu acidente bobo. Foi aí que me lembrei da moto que me atingiu. 

- Mãe, o que aconteceu com a pessoa que tava na moto? - perguntei.

- Não sei. Não me disseram nada quando me ligaram. Mas, olha filho, acho que devia meter um processo nele. 

- Ou nela. Mas não foi culpa dele, mãe. Ou dela. Atravessei a rua no sinal vermelho.

- Mesmo assim, querido. Você podia ter morrido! - Exclamou. Ela pausou e olhou brevemente para o teto. Senti que estava lutando para não chorar novamente. O momento passou e ela voltou a me encarar.

- De qualquer forma, por que tava com tanta pressa? - ela me perguntou.

- Tava atrasado pro trabalho. 

- Ai, ai. E isso é motivo para avançar o sinal vermelho? - Ela esticou e balançou o dedo indicador em meu campo de visão - Olha mocinho. Daqui pra frente vou ficar de olho em você, viu?

Ela manteve seu olhar firme sobre mim por mais alguns segundos, então se abaixou e me deu um beijo na testa. 

- Mas agora, descansa. O médico disse que ainda vai te manter mais alguns dias aqui no hospital, em observação. Vou ali ver se já vão trazer o almoço.

- Não tô com fome – reclamei.

- Não importa. Você dormiu um dia inteirinho. Ficou muito tempo sem comer. 

Ela então saiu do quarto, decidida. Bufei. Ficaria alguns dias preso nessa cama de hospital, ótimo. Esperava que alguém tivesse avisado no trabalho sobre o acidente. Tinha acabado de começar no meu primeiro emprego, não queria ser demitido tão cedo. Eles podiam demitir alguém que faltou ao trabalho por ter sido atropelado? Esperava que não. Sempre fui péssimo em entrevistas, fora bem difícil conseguir esse emprego.
                                                                     
3.

Preciso confessar uma coisa: eu sempre tinha achado que ficar internado no hospital era no fim das contas bem legal. Quer dizer, tirando o fato de que se você precisa ficar internado é porque provavelmente você está bem ruim, é uma ótima desculpa para não fazer nada o dia todo. E ser paparicado; admito, eu gostava de ser paparicado. Mas, olha... No fim das contas eu estava errado. Ficar internado era uma droga. Minha mãe trouxe alguns livros, para que eu tentasse matar o tempo, e meu notebook com alguns filmes que ela tinha pedido para minha irmã baixar para mim. E meu ipod. Mas, e eu não sei por que, às vezes eu simplesmente não conseguia fazer nada. Tentei começar a ler um livro sobre programação, mas não conseguia me concentrar. Tentei ver um dos filmes, mas desisti logo nos primeiros dez minutos. Tinha mais de quinhentas músicas no ipod e parecia estar enjoado de todas. Nada conseguia acordar meu cérebro. A única coisa que me restava, então, era o tédio. Peguei o celular e mandei mensagens no whatsapp para os meus poucos amigos, mas nenhum deles me respondeu. Argh. Eu estava à beira de perder a cabeça. Decidi, então, andar pelo corredor.

Levantei com dificuldade da cama. Minhas costelas doíam, mas tentei resistir à dor. Agarrei o suporte de soro e tentei dar uns passos. Ai! Levei às mãos até as costelas. Doía pra caramba! Pensei em voltar para a cama, mas estava cansado dela. Se ficasse mais um segundo sem exercitar minhas pernas, sentia que elas iriam apodrecer. Fui andando devagarinho e aos poucos encontrei um ritmo que minimizava a dor. Saí pelo corredor, esperando que ninguém prestasse atenção em mim. Já tinha passado o horário de visitas, então o corredor estava vazio. Sentia um misto de temor e excitação por estar fazer algo "proibido". Sabia que era algo muito pequeno, mas eu tinha fama de bom moço e para mim, algo bobo como isso já tinha um peso significante. Dificilmente fazia algo considerado rebelde (deixar de ir à igreja era uma exceção. Mas eu realmente não aguentava mais. Resisti muito até tomar essa decisão). Não porque eu de fato era bom moço, mas porque morria de medo das consequências. Em meu mundo, tudo poderia levar a uma potencial humilhação, o que eu evitava a qualquer custo. Preferia manter essa imagem enganosa de bom moço aos olhos dos outros - meus pais, principalmente - do que tentar confronta-la.

Parei diante da máquina de doces. Senti minha barriga roncar. A comida do hospital era outra coisa que me fazia detestar ficar internado. Por que ela tinha que ser tão sem graça e sem sal? Já estava animado com a perspectiva de colocar minhas mãos em uma deliciosa barra de twix quando lembrei que não tinha dinheiro nenhum. Minha mãe, que estava sendo minha acompanhante, havia guardado minha carteira em sua bolsa - eu não a deixaria jogada na cabeceira do meu quarto de hospital. E se alguém a levasse? - e ido para casa buscar algumas coisas que eu havia pedido.

- Também tá enjoado da comida do hospital? – escutei alguém dizer atrás de mim. Girei. Era um garoto alto, com cabelos castanhos encaracolados e olhos cor de mel. Ele estava apoiado em bengalas, pois uma de suas pernas estava engessada. Em seu rosto, ele ostentava um sorriso convidativo.

- É... - murmurei. Não era muito bom em falar com estranhos.

- Acho que tivemos a mesma ideia. - ele disse. Não sabia o que falar. Nem o que fazer, já que não tinha dinheiro para a tão almejada barra de twix. Dei um sorriso amarelo, abaixando a cabeça. Deus, esperava que não estivesse ficando vermelho. Sim, eu ficava envergonhado facilmente.

- Hm... Acho que eu já vou voltando pro quarto...
                                                                                   
- Ué, mas você ainda não pegou seu doce.

Droga. Ele iria mesmo me obrigar a socializar? E ainda mais, me fazer passar vergonha ao admitir que estava sem dinheiro para usar na máquina. Senhor, que humilhação! Tudo que eu queria era sair correndo e mergulhar novamente na segurança do tédio.

- Ah... Acho que mudei de ideia - eu disse, já dando uns passos lentos em direção ao corredor. Ele colocou uma nota na máquina e apertou um botão. Ouvi o barulho do doce caindo. Ele então repetiu o processo e se abaixou para pegar sua recompensa.

- Toma - ele disse, me oferendo um twix. Salivei.

- Não precisa... - comecei dizendo, mas ele insistiu. Então peguei.

- Obrigado. - murmurei. Ele apenas sorriu em resposta. Podia ir embora agora? Acenei com a cabeça e fiz menção de sair, mas então ele estendeu a mão.

- De nada. Sou o Bruno. Tô no quarto 215 - ele disse. Não queria ser rude, então retribui o comprimento.

- Felipe. 218 - respondi, apertando sua mão - prazer. Acho que eu já vou voltando...

- O meu quarto fica perto do seu. Posso te acompanhar ou você quer ficar sozinho?



Quero, pensei. Mas acabei dizendo que tudo bem. Estranhos me deixavam nervoso.  Eu estava agradecido pelo chocolate, mas era um saco se sentir obrigado a ser simpático. Fomos caminhando, os dois meio desconjuntados; ele por causa de sua perna, eu por causa da minha costela. Não podíamos nem comer nossos doces já que suas mãos estavam ocupadas com as muletas e as minhas com o gesso e o suporte de soro. Seria uma longa jornada até nossos quartos. Por mim, seria uma jornada silenciosa, mas aparentemente Bruno era daquele tipo de gente que não suporta silêncios.

- Então, o que te traz aqui? - ele perguntou, puxando assunto.

Estendi o braço machucado, o que indicava que era uma pergunta boba e incentivava que mantivéssemos o silêncio. Não mencionei a concussão nem as costelas trincadas. Ele devia estar achando que eu estava caminhando devagar por causa dele, não porque não conseguia ir mais rápido. Ele sorriu. Aparentemente tudo o fazia sorrir. Qualquer outra pessoa acharia minha atitude rude, mas se ele tinha ficado chateado, não fez questão de demonstrar. Vai ver também se sentia obrigado a ser simpático... Só que tinha uma coisa: seu sorriso não parecia ser daqueles falsos. Parecia sincero e - preciso admitir - bem charmoso. Seus dentes eram brancos e bem alinhados e uma covinha se formava em seu rosto quando ele contraia seus músculos faciais.

- Você entendeu o que eu quis dizer - seu tom era brincalhão. Ele tentava parecer legal demais. Isso me irritava um pouco. Revirei os olhos e imediatamente me arrependi. Esperava que ele não tivesse reparado. Com peso na consciência por estar sendo tão antipático, decidi responder.

- Ah, um cara numa moto me atropelou. - disse

- Hm...

- E você? - perguntei. O sorriso tinha desaparecido de seu... argh, muito belo (ai meu Deus, qual o meu problema?) rosto.

- É... - ele balbuciou, sem graça - engraçado... tô aqui porque atropelei um cara com minha moto.

Congelei. Seria possível que ele fosse quem tinha me atropelado? Não era lá uma grande coincidência, embora houvesse diversos outros hospitais na cidade para os quais ele poderia ter ido, mas ainda assim fiquei surpreso. Percebi que ele estava me encarando. Ele estava com uma expressão um pouco preocupada em seu rosto. Será que estava com medo da minha reação?

- Hm... Moto preta? – perguntei, surpreso que a cor da moto tivesse ficado registrada em minha memória - sinal perto da rodoviária?

- Aham... - ele estava definidamente sem graça – é... Eu não te vi. Desculpa... eu... tentei frear.

Dei de ombros em uma tentativa de quebrar a tensão.

- Não foi sua culpa - eu disse - atravessei no sinal vermelho.

Ele parecia aliviado.

- Ficou com medo de que quisesse te processar? - brinquei
- Um pouco...

- Tô só te zoando.

Agora eu que estava bancando o sociável. Como assim?! Ficamos em silêncio por um tempo. Dessa vez, um silêncio bastante constrangedor. Não que eu me importasse muito com isso.

- Então... Você tá bem? - ele perguntou, ainda parecendo estar pisando em ovos.

- Tô sim - respondi - só machuquei uma costela. Ainda tô aqui porque me disseram que tive uma concussão quando bati a cabeça, mas... vou sobreviver.

Ele simulou um suspiro de alívio.

- E você? - perguntei

- Ah, só alguns arranhões e a perna quebrada mesmo. Nem sei por que ainda não tive alta... perdi a consciência na hora. Deve ter alguma coisa a ver com isso. Então, você atravessa sinais vermelhos com frequência?

Sorri encabulado.

- Tava atrasado pro trabalho - expliquei.

- Não é muito seguro. Devia tomar mais cuidado.

- Ih, tá falando que nem minha mãe agora.

Não disse isso num tom sério, mas ele se calou. Esperei que não tivesse ficado chateado... odiava quando pessoas ficavam chateadas comigo. Até mesmo um desconhecido. Olhei para ele tentando desvendar o que sentia. Ele ostentava a mesma expressão de leveza de quando me ofereceu o chocolate. Chegamos à frente da porta do quarto dele.

- Hm... então tá. Até mais. Espero que melhore logo. - ele disse.

- Obrigado. Você também. Boa noite.

- Boia noite.

Segui andando para o meu quarto. Mal tinha dado alguns passos quando ouvi uma voz atrás de mim.

- Sr. Fernandes, o que o senhor que está fazendo?
Era Joana, a enfermeira que fora designada para ser responsável por mim. Mesmo há apenas um dia no hospital, já tinha percebido que ela era uma baixinha bem nervosa. Fazia o seu trabalho com seriedade e responsabilidade, mas não era muito amável.

- Eu só tava...

- Não quero ouvir desculpas. Vá logo para seu quarto. O senhor não deveria nem ter saído da cama! Tá com uma costela quebrada, pelo amor de Deus! - Ela disse, agarrando o apoiador de soro e pressionando de leve minhas costas. Nem pensei em dizer que era para lá que já estava indo mesmo, só obedeci.

4.

Acordei sentindo dor. Acho que a caminhada do dia anterior não tinha feito bem. O quarto estava escuro, mas um feixe de luz prateado entrava por uma brecha na cortina. Ainda devia ser de madrugada. Minha mãe dormia um sono tranquilo no sofá-cama. Movi-me tentando encontrar uma posição indolor, uma tarefa que se provou quase impossível. Só dois dias haviam se passado desde o acidente e mesmo assim eu já não aguentava mais. De repente, ouvi um barulho vindo do corredor. tap, tap, tap. Alguém andando? Não, era pesado demais para serem passos. Tentei ignorá-lo, mas ele ficava mais alto a cada segundo. Porém, depois de passar por minha porta, que ficava quase no fim do corredor, o barulho pareceu começar a distanciar-se. Melhor voltar a dormir, pensei. Fechei os olhos por alguns minutos, mas logo fui informado pelo meu cérebro que dormir de novo simplesmente não ia rolar. O barulho agora voltara a aumentar. Alguém deveria estar rondando por aí. Curioso, decidi levantar para conferir, mesmo sabendo que pagaria um preço alto mais tarde por inventar de dar mais um passeio. Bem, doendo já estava, né? Só esperava que não fosse a enfermeira montando patrulha em frente à porta dos enfermos.

Tentei me mover o mais silenciosamente possível para não acordar minha mãe. As rodinhas do suporte de soro rangiam. Caminhei devagar até a porta, esperando que não tivesse nenhum obstáculo em meu caminho. Com uma mão engessada e outra segurando o ferro do suporte, só descobriria um eventual obstáculo ao colidir com ele, o que além de fazer barulho seria bem dolorido. Senti um objeto redondo tocar minha barriga. Era a maçaneta da porta. Girei-a com cuidado e coloquei a cabeça para fora, lançando meu olhar na direção do barulho.

- O que você tá fazendo acordado? - sussurrei para a pessoa responsável por todo aquele barulho.

- Hãn? Não entendi - a pessoa disse, enquanto se aproximava. 

Tap, tap, tap. Era Bruno. O barulho vinha de suas muletas, que ecoavam ao tocarem o chão.

- Esse negócio tá fazendo um barulhão.

- Ah... foi mal. Te acordei? - ele estava na minha frente agora e tentava falar baixo.

- Na verdade não. Acordei por causa da dor.
- Ah... - ele disse, com empatia.

- Não consegue dormir? – perguntei

- Não. Tô a noite toda acordado. Tenho insônia.

- Ah... Caramba.

Se tinha uma coisa que eu gostava de fazer era dormir. Demorava para adormecer, mas uma vez que caía no sono nem um terremoto me acordava (só dores na costela fraturada, aparentemente). Ao adormecer, todos os seus problemas e dores eram deixadas de lado por um tempo e você podia navegar tranquilamente no mundo dos sonhos. Tudo bem que às vezes eu tinha pesadelos, mas até eles pareciam mais fáceis de enfrentar do que o stress do dia-a-dia. Não imaginava como era viver com insônia. Ficamos em silêncio por um tempo, só olhando um para a cara do outro. Algo me dizia que não saber o que falar era algo novo para ele. Pensei em recolher a cabeça e voltar para a cama. Quantas horas será que faltam para o nascer do sol?, pensei.

- E aí, vai tentar voltar a dormir? - ele perguntou, antes que eu pudesse me mover.

- Estava pensando nisso.

- Hm... acho que vou continuar andando.

- Por que não tenta dormir?

- Te disse, já tentei.

De novo alguns segundos de silêncio constrangedor. Olhei para ele. Ele parecia bem cansado. Estava cabisbaixo, com o cabelo bagunçado e os olhos vermelhos. O semblante sorridente de mais cedo tinha sumido. Agora ele parecia muito mais sério, um pouco pra baixo. Bem, acredito que não conseguir dormir faz isso com as pessoas.

- Acho que é melhor não ficar andando. Esse negócio vai acordar o hospital inteiro - eu disse, apontando para as muletas.

- É... acho que tá certo. Quer sentar em algum lugar para conversar?  - ele perguntou - isso é... se não quiser voltar para a cama.

Parei para refletir por um segundo. Duvidava que meu cérebro e minha costela me permitissem voltar a dormir, então decidi aceitar.

- Tudo bem.

Decidimos sentar no chão mesmo, em frente ao meu quarto. Não iria sugerir ir para o quarto dele por motivos de: vergonha, e não podíamos sentar nos bancos em frente à enfermaria porque certamente levaríamos uma bronca por estar fora de nossas camas (não sabia se a enfermeira Joana estava de plantão, mas era melhor não arriscar). Sentei alguns centímetros afastados dele. Era uma noite quente, mas mesmo assim podia sentir seu corpo irradiando calor.
- Então, em que você trabalha? - ele perguntou.

- Estagio em um tribunal. Faço ciência da computação.

- Hm...

- E você, o que faz?

- Acabei de terminar a faculdade de comunicação. - ele respondeu, pronunciando as palavras de uma vez só, como se quisesse dize-las o mais rápido possível e então partir para o próximo tópico.

Comunicação. Por que será que eu não estava surpreso?

- Já trabalha? - perguntei. Ele desviou o olhar e franziu a testa. Será que tinha tocado num ponto sensível?

- Não precisa responder se não quiser - adicionei, tentando evitar criar uma situação constrangedora. Ele relaxou os músculos do rosto.

- Não, tudo bem. É que tô naquele clássico período em que você termina a faculdade e não sabe o que vai fazer da vida

- Olha, se servir de algum consolo, tenho estado nessa fase a minha vida toda.

Seu lábio superior se moveu, formando um breve sorriso, e ele balançou a cabeça.

- Por que escolheu computação, então? - ele perguntou.

- Lido melhor com computadores do que com pessoas. Como você já deve bem ter adivinhado - eu respondi, em tom de brincadeira.

Novamente, ele sorriu. Mesmo que agora parecesse mais tímido, como essa criatura sorria! Não me achava tão engraçado assim. Mas tenho que confessar que até gostava que ele tivesse essa reação. Estava começando a simpatizar com seu sorriso. O que disse para Bruno era verdade. Eu não tinha tanta certeza sobre o que fazer com minha vida, mas de uma coisa tinha certeza: não queria de jeito nenhum trabalhar interagindo com pessoas. Desmontar um computador? Fazia isso rapidinho. Ir a uma festa? Não, obrigado.

- Nem teria percebido se não tivesse falado - ele disse, me lançando uma piscadela. Pelo menos eu acho, posso muito bem ter imaginado essa parte. Fiquei tentando pensar no que falar. Uma das coisas que me faziam evitar conversas, principalmente com estranhos, é que, uma vez iniciada a conversa, eu nunca sabia como agir; mas mesmo assim não queria que me achassem chatos e desinteressantes (embora eu fosse!), então ficava me esforçando para achar um tópico. Não era uma tarefa fácil. Meu cérebro dava diversas voltas, tentando achar algo remotamente interessante, e muitas vezes eu acabava soltando algo estúpido.

- Em que área da comunicação se formou? – perguntei, mas logo me arrependi. Não disse que facilmente falaria besteira? Repreendi-me mentalmente.  Ele - não - quer - falar - sobre - isso.

- Jornalismo.

Ele parecia um pouco incomodado.

- Ah... Desculpa ficar insistindo no assunto.

- Não, tudo bem.

Não tinha tanta certeza de que estava tudo bem mesmo. Ai meu Deus, lá vinha silêncio de novo. Geralmente eu não me importaria. Preferia silêncio, mas não nessas circunstâncias. Ele não era bom em comunicação? Por que eu que tinha que ficar falando? Mais cedo, quando o encontrei perto da máquina de doces, ele parecia estar bem disposto a conversar (e eu bem disposto a me calar). Alguma coisa não estava certa.

- Quantos anos você tem? - perguntei, só porque não consegui em pensar em mais nada para dizer.

- 23. E você?

- 21. Hm... cor preferida?

- Verde - ele respondeu, sem titubear.

- Comida preferida

- Pizza. A sua?

- Hm... lasanha. E chocolate, claro. Esporte preferido?

- Não sou tão fã de esportes, mas nado desde criança. O seu?

- Praticar, não pratico nenhum. Gosto de assistir rúgbi, mas... não tem muito lá a ver com o esporte em si.

- Como assim?

- Nada. Deixa pra lá. É... sorvete preferido?

- Menta com chocolate.

- O meu também!

Podia ver que ele começara a relaxar. Seu semblante parecia retornar àquele de horas atrás.

- Desculpa ficar te questionando assim. É que realmente não sou bom em conversar.

- Tudo bem, estou gostando.

Parando para pensar... tinha que admitir que também estava gostando.

- Hm... Hobbies? - perguntei.

- Cinema. Música. Sabe, o básico. E viagens. Conta?

- Conta! Mas em que sentido? Você viaja muito?

- Bem... Viajo menos do que gostaria. Mas eu gosto de passar meu tempo planejando... pesquisando sobre lugares em que queria ir.

- Parece interessante. E onde tem vontade de ir?

- Acho que ultimamente... é... Europa. Tava querendo ir mochilar pela Europa este ano. Começaria em Dublin, então... Londres, Amsterdã, Bruxelas, Paris, Barcelona, Lisboa, Zurique, Roma, Budapeste, Berlin e Moscou - ele olhava para o teto. Parecia estar divagando. Falava como se já estivesse repassado esse plano em sua cabeça antes por várias vezes - Sabe... eu queria tirar um tempo. Conhecer novos lugares, respirar novos ares... antes de decidir o que vou fazer da vida.

- Parece bem legal! Olha, acho um saco essa ideia de que você tem que chegar na vida adulta sabendo exatamente quem você é e o que vai ser. Quer dizer, quando é que a gente teve tempo para de fato parar para pensar sobre isso tudo? Da escola, você já é jogado na faculdade e obrigado a escolher o que vai fazer para o resto da vida. É opressivo! Nem todo mundo planeja a vida inteira desde pequeno...

Tinha me exaltado e levantado o tom. Senti o ímpeto de me desculpar, mas ao virar o rosto vi que seus olhos cor de mel estavam fixos em mim. Nunca tinha visto olhos dessa cor antes. Os dele eram lindos. Mas não era só por causa da cor... eram profundos, como se escondessem as respostas para os mistérios do universo. Agora, seus olhos pareciam marejados, tristes, e a leveza que começara a surgir em sue semblante há pouco já tinha desaparecido.

- É... eu concordo. - Ele murmurou e, então, afastou o olhar.

- Então, já tem uma data pra ir?

- Não... é só um plano. Meus pais... - ele mordeu os lábios. - Deixa pra lá.

Nesse momento senti uma grande simpatia por ele. Geralmente eu não forçaria ninguém a falar nada que não quisesse. Deus sabe que eu odiava quando faziam isso comigo. E eu mal o conhecia! Mas algo me dizia que ele precisava libertar o que estava preso dentro de si. Eu era péssimo para conversar, mas me considerava um ouvinte decente.

- Eles não te apoiam? - eu perguntei, tentando transparecer leveza. Não queria que ele se sentisse desconfortável.
- Não mesmo. Acham que eu já deveria ter arranjado um emprego e me estabelecido. Eu tentei, mas... sei lá. Nem sei se quero ser mesmo jornalista. Eu só queria que eles saíssem um pouco das minhas costas. Que me deixassem respirar...

- É... pais podem ser realmente sufocantes.

- E o pior é que odeio desapontá-los, sabe? Sinto que eles me criaram para ser alguém que eu não consigo ser.

De repente senti um aperto no coração. Suas palavras flutuaram pelo ar e me atingiram bem em cheio. Eu entendia exatamente o que ele estava falando. Amava meus pais e tentava ao máximo não desapontá-los. Sabia dos sacríficos que eles tinham feito por mim e minha irmã, mas nada que eu fazia parecia ser o suficiente para compensar o fato de que eu era... não, não iria deixar meus pensamentos chegarem até esse ponto. Não queria ficar deprimido agora. Não iria me fazer bem e certamente não iria ajudar Bruno.

- Pais...  – murmurei.

- Você acredita que o amor deles é incondicional? – ele me perguntou.

O olhou por alguns segundos, saber exatamente o que responder.

- Acho que isso não existe. - declarei, enfim - Não existe nada que seja incondicional. Não só o amor, mas na vida, sabe? Porque não há como viver sem expectativas. Você pode querer amar e apoiar seus filhos, independente das circunstâncias, mas acho que no fundo você sempre os comparará àquilo que secretamente queria que eles fossem. Ou àquilo que queria que eles estivessem fazendo.

Bruno deixou escapar um longo suspiro.

- Argh - ele murmurou - tá quente hoje, né?

- Bastante – respondi, me abanado com a mão.

- Tive uma ideia - ele disse - que tal a gente tentar subir lá no telhado. Deve tá mais fresco. É uma ideia louca, mas... sei lá, sempre vejo isso nos filmes.

Eu o encarei.

- Eu topo - disse, tentando me levantar - só que vai levar um tempo pra chegar lá, com.. você sabe, as enfermeiras e seguranças, meu troço do soro e suas muletas.

Pensei na cara de reprovação da enfermeira Joana se pegasse a gente. Imaginei-a puxando nossas orelhas como se fossemos dois colegiais e nos dando o maior sermão. Um pânico começou a se formar em meu interior, mas fiz o meu melhor para impedi-lo de crescer. Faria isso. Não dizem que só se vive uma vez? Sempre achei essa frase bem tosca, mas... vai ver quase morrer mudou algo em mim. Nossa, que pensamento mais tosco ainda! Não queria ser desses que passam por uma experiência traumática e de repente acham que sofreram algum tipo de catarse e que agora são pessoas diferentes. Tanto faz. Faria isso! Respirei fundo, alcancei o tubo que levava soro para minhas veias e o arranquei. Senti uma pontada de dor, mas ignorei.

- Pronto. E... Deixe suas muletas no meu quarto. Eu te ajudo. Você pode se apoiar em mim.

- Tudo bem. Obrigado. E quanto à vigilância, a gente dá um jeito.

- Você sabe onde é o acesso ao telhado, pelo menos? - eu perguntei.

- Não. - ele confessou e ambos caímos na gargalhada, que ecoou pelo corredor vazio. Vendo que o barulho poderia acordar os outros pacientes, tentamos nos conter. Nem estava acreditando que estaria prestes a viver uma aventura. Boba, se você parar para pensar; mas no meu mundo, era de fato uma aventura.

5.

No fim das contas não foi tão difícil assim chegar ao telhado. Pelo que entendi, houve algum acidente em alguma boate ou sei lá o que e muitas pessoas estavam chegando na emergência, então a maioria dos médicos e enfermeiros em plantão estavam mais concentrados em cuidar deles do que perguntar a dois jovens o porque de estarem perambulando por aí. Também não foi tão difícil nos locomover quanto imaginei. Deixamos as muletas de Bruno em meu quarto e ele usou meu ombro como apoio. Foi um tanto complicado, mas logo achamos uma cadeira de rodas. Empurrar uma cadeira de rodas só com uma mão não era tarefa fácil, mas foi só até chegarmos ao elevador. Depois, foi só procurar a porta do telhado que, hey!, como nos filmes, estava destrancada. Quem diria?

O telhado do hospital não era muito amplo. Bruno sugeriu que sentássemos na borda, o imediatamente me fez me lembrar do meu sonho da noite anterior. Não era supersticioso, mas estar em um telhado na noite seguinte após ter sonhado que caia de um não era um bom sinal. Dava-me calafrios. Sugeri, então, que nos acomodássemos no espaço do heliporto, que ocupava a maior parte do telhado. Esperava que nenhum paciente vindo do acidente precisasse ser transportado de helicóptero.

Sentamos. Vira e mexe ouvíamos o barulho de sirenes e podíamos ver as luzes coloridas se fundindo às bolinhas laranja dos postes.

- Parece que foi um acidente feio. Você entendeu o que aquelas enfermeiras falaram? – Bruno perguntou.

- Hm... Acho que foi um incêndio numa boate.

- Nossa... Espero que ninguém tenha ficado muito ferido

- É...

Respirei o ar seco, quente e provavelmente poluído da cidade e por um segundo desejei estar de volta àquele sonho do ônibus, deitado na grama molhada e cercado de árvores que liberavam ar fresco.

- Será que vamos receber alta amanhã? - Bruno perguntou.

- Acho que sim. Com tantos pacientes, acho que vão precisar dos quartos.

- Verdade - Bruno pausou e inspirou profundamente - Nossa, nem imagino o quão assustador deve ter sido para essas pessoas. Acho que incêndio é um dos meus maiores medos.

- Realmente. Ainda mais em um lugar entupido de gente. Por isso que eu prefiro passar meus sábados a noite em casa.

- Sério? Eu também. Você bebe?

- Não muito. Não gosto do gosto. E você?

- Às vezes. Mas geralmente sábado à noite tô em casa comendo pizza, bebendo coca e assistindo Netflix.

Sorri, simpatizando com sua resposta. Não esperava que ele fosse do tipo de cara caseiro. E... pizza e coca? Discretamente, tentei reparar no seu corpo. Ele usava uma calça larga e uma camiseta branca básica. Não tinha como ter certeza, mas parecia que ele estava em forma. Não era muito magro, tinha ombros largos, braços um pouco fortes e... eu não conseguia ver nenhum indicio de barriga marcado pela camisa. Vai ver ele tinha um bom metabolismo.

- Você malha? - deixei escapar e imediatamente senti minhas bochechas corarem. Ele pareceu surpreso com a pergunta.

- Não gosto. - ele respondeu, com um olhar curioso - por quê?

- Ah... é que... pizza e coca. Não é muito saudável. Meus fins de semana seguem o mesmo esquema e... - apertei uma gordurinha na lateral da minha barriga que eu odiava. Deus, só estava cada vez passando mais vergonha. Por que estava fazendo isso? Engraçado, parecia que já estava me acostumando com a presença dele, o que geralmente não acontecia tão fácil. Geralmente ficava tenso na frente de pessoas desconhecidas e falava pouco. O problema é que quando relaxava, coisas inapropriadas e vergonhosas começavam a saltar da minha boca. Senti um incomodo no estômago. Não queria que ele me achasse estranho. Por algum motivo, queria que ele gostasse de mim.

- Acho que a natação ajuda a manter o corpinho sarado - ele disse em tom de brincadeira e pude ver que ele sorria com os olhos. Não mostrava nenhum sinal de constrangimento.

- É, pior tá ajudando mesmo, viu? - eu disse, mordendo o lábio. Até soltei um som parecido com um breve assobio. PUTZ. O que tá acontecendo comigo?? Senti minhas bochechas pegarem fogo. Virei o rosto antes que ele pudesse mostrar qualquer reação e encarei o vazio à minha frente. Quando olhei para ele novamente, percebi que tinha deitado no chão. Seus olhos encontraram os meus e senti que ele me incentivava a copiá-lo. Tentei fazê-lo, sentindo minhas costelas gritarem em protesto. Deixei escapar um gemido de dor.

- Ainda tá doendo muito? - ele perguntou.

- Um pouco... Continuo esquecendo dessas malditas costelas

Tentei me ajeitar para tentar encontrar uma posição mais confortável. Percebi que agora estava quase tocando seu braço. Lancei meu olhar para o céu. Era uma noite cinzenta, sem luar. Em breve a madrugada teria fim.

- Odeio que da cidade não dê para ver as estrelas - comentei.

- É... eu também. Queria que tivesse algum lugar com menos poluição visual por aqui.

- Seria legal.

- Sim.

- Você já foi acampar? - perguntei.

- Ah, o tempo inteiro. Meu pai adora. A família toda vai.

- Eu só fui uma vez. Era pequeno, então não sei onde era, mas lembro de sentar em volta da fogueira com os meus pais e a minha irmã, comer pão de alho, cantar músicas antigas e ficar observando as estrelas. – suspirei - Bons tempos...

Senti-me nostálgico. Tive uma infância feliz. Sentia saudade de como as coisas pareciam fáceis antigamente. Bem, na verdade não parecia nada, já que quando você é criança, não fica pensando em como as coisas são fáceis. Essa percepção vem mais tarde, quando a vida começa a exigir mais de você.

- Você se dá bem com sua família? - Bruno perguntou. Pensei por um segundo.

- Acho que sim. Somos só eu, meu pai e minha irmã. Ela é mais nova, tem 15 anos. Os outros parentes moram longe, não tenho muito contato com eles. E você?

- Ah, eu tenho uma família bem grande. E todo mundo é muito próximo... o que é bom, porque sou filho único, então tinha companhia dos meus primos quando era pequeno.

- Deve ser difícil ser filho único, muita pressão. - comentei.

- E é mesmo. Te falei, mais cedo né? Meus pais são um saco às vezes... como hoje, mas até que a gente se dá bem sim.

- Discutiu com eles? Por isso que tava meio pra baixo quando te encontrei no corredor?

- Sim...

Ele abaixou os olhos. Acho que eu estava sendo evasivo demais.

- Desculpe - eu disse - geralmente eu não sou tão enxerido e falador assim.

- Tudo bem. Eu gosto de falar com você.

Senti um breve aperto no coração ao ouvir isso. Não entendi muito bem por que. Fiquei em silêncio, com medo de soltar mais coisas que me fizessem me arrepender depois.

- Seus pais te pressionam tanto quanto os meus? - ele perguntou, quebrando o silêncio.

- Hm... acho que não. Nunca fui de dar muito trabalho então acho que não se preocupam muito.

- Eles sabem que você... é... - ele começou, fazendo um gesto com a cabeça.

- O que? - perguntei, começando a entrar em pânico.  Levantei - não tão rápido como gostaria - e me afastei dele um pouco. Será que ele estava perguntado o que eu achava que estava perguntando? Ele também se sentou.

- Desculpa - ele disse, constrangido - é que percebi que tava meio eu me olhando... geralmente sou bom em detectar essas coisas. Não quis ofendê-lo.

Tudo o que eu queria nesse momento era correr até a borda do telhado e pular lá de cima. Sentia meu coração querer saltar da minha boca. Senti lágrimas começarem a querer brotar dos meus olhos e minhas pernas tremerem. ANSIEDADE MODE ON.  Droga... Por que estava reagindo assim? Sentia-me completamente humilhado. Eu sempre fora bom em esconder. Quer dizer, até hoje meus pais (super religiosos e super preconceituosos) não tinham reparado. Só uma amiga sabia.  Não podia arriscar que essa informação vazasse por aí. Será que era tão óbvio assim? Imaginei Bruno apontando um dedo na minha cara, gargalhando e gritando "EU SABIA, SEU BIXA hahahha." Isso era algo que com certeza alguns dos meus colegas de trabalho fariam.

- Felipe, você tá bem? - percebi um tom de preocupação em sua voz. Ele colocou uma mão em meu ombro. Senti uma corrente elétrica percorrer meu corpo e o afastei.

- Acho que a gente devia voltar - murmurei e tentei levantar. Droga de costela que não me deixava me movimentar como eu queria.

- Espera - ele disse - por que tá reagindo assim? Eu falei algo demais?

Desisti de sair correndo, mas ainda sentia meu corpo tremer. Tá, ele podia não apontar um dedo na minha cara, mas depois desse papelão todo... eu não tinha coragem de encará-lo. Senti que deveria ao menos uma explicação, mas não conseguia juntar as palavras.

- Acho então que seus pais não sabem... - Bruno disse, parecendo estar medindo cada palavra - tudo bem. É normal. É uma droga, mas infelizmente acontece muito.

Assenti com a cabeça, ainda sem olhar para ele.

- Religiosos? - ele perguntou. Assenti novamente.

- Me assumi com 15 anos. - ele continuou - Não foi lá uma grande surpresa pros meus pais e eles aceitaram bem. Mas não quer dizer que não seja difícil... Sei como tá se sentindo.

Ainda não conseguia expressar nenhuma reação além de assentir com a cebaça.

- Fica melhor, prometo.

Dei uma risada sarcástica. Achava isso tão ridículo. Fica melhor. It gets better. As pessoas realmente falavam isso? Pensava que era só um slogan. E como ele podia saber? Não conhecia o ambiente em que eu vivia. Ele não sabia como era um dia perceber que você era aquilo que seus pais disseram a vida inteira que era errado, monstruoso, um pecado dos grandes. E o pior é que eu tinha consciência de que não ia conseguir esconder para sempre. Aparentemente já não estava conseguindo... e quando o dia chegasse, isso ia destruí-los. Parece exagero, mas eu sabia disso. O modo como comentavam em casa sobre as ações da comunidade lgbt... Eu via ódio em seus olhos. Irracionais... Tentava não causá-los problemas e estava fazendo o possível para ser bem sucedido porque assim, quem sabe quando finalmente a verdade viesse à tona... não iria parecer tão ruim. Mas no fundo, eu sabia que eles nunca mudariam de opinião. Odiava que as coisas tinham que ser assim. Mas era o que era.

Não consegui mais segurar e sentir as lágrimas brotarem dos meus olhos. Em alguns segundo estava chorando de verdade. Eu fungava. Era mais do que eu conseguia aguentar. Tentava muito não pensar nessas coisas, porque toda vez que meus pensamentos seguiam por esse caminho eu desmoronava. Mas era a primeira vez que alguém testemunhava. Droga, por que ele tinha que estar ali? Por que ele tinha que ter feito essa pergunta? Droga... Mas era culpa minha. Se eu não tivesse dado espaço e falado demais ele não iria se sentir a vontade para fazer perguntas pessoais. Ou talvez ele nem achasse que fosse lá muito pessoal. Quer dizer... A maioria das pessoas não tem muito problema com isso, né? É algo normal, eu acho. Acho que eu que não sou normal. 


Sentia os olhos de Bruno fixos em mim. Deus, eu só queria que ele fosse embora. Queria gritar pra que ele fosse embora, mas nada saia. Foi então que senti que ele se aproximava. Senti seus braços em volta de mim. Permaneci imóvel. Senti o calor de seu corpo me envolver. Queria afundar em seus braços. Virar pó. Minha respiração ficou mais pesada. Senti vontade de berrar.

- Tá tudo bem - ele murmurava - Pode colocar pra fora

Não sei por quanto tempo chorei, mas finalmente as lágrimas cessaram. Afastei-me dele. Com a mão livre, tentei limpar meu rosto. Respirei fundo. Já que ele não sairia dali, sabia que uma hora teria que enfrentá-lo. Levantei o olhar esperando achar... O que? Pena? Embaraço? Raiva, até? Ele era uma pessoa decente demais para ter fugido, mas apostava que estava me julgando pelo meu controle inexplicável e que agora ia dar no pé o mais rápido possível. Quem ia querer lidar com alguém tão patético que surtava por uma coisa tão patética? Meu coração estava inquieto. Estava com medo de procurar seu olhar, mas o fiz mesmo assim. Arranca o band-aid de uma vez, Felipe. Você não precisa vê-lo nunca mais, de qualquer forma.

Ele me encarava. Tentei desvendar o que seu olhar me dizia. Surpreso, percebi que não era o que eu esperava. Poderia ser... compaixão? Compreensão? Pensei ter sentido uma brisa fria soprar e arrepiei.

Ficamos encarando um ao outro por alguns segundos, sem saber o que falar. Acho que não precisava de palavras. Via em seu olhar que ele entendia. Aparentemente não me julgava. Ele mordeu o lábio inferior e então se aproximou. Levou uma mão até minha bochecha e a acariciou de leve. Senti um calor onde me tocava. Ele parecia incerto de seu próximo passo. Não demonstrei resistência. Podia sentir cada batida do meu coração. Mantinha minha respiração em um ritmo constante.

Os primeiros raios de sol surgiam no horizonte.

Ele então pareceu chegar a uma decisão sobre o que estava prestes a fazer. Lentamente foi aproximando o rosto, seus olhos fixos nos meus. Seus olhos queimavam. E então seus lábios tocaram os meus. Gentis, macios. Pude sentir cada célula do meu corpo acordar e entrar em profunda comoção. Eu o beijei de volta. Saboreei cada canto de sua boca. Inspirei o seu ar. Ele me acomodou em seu abraço e eu levei minha mão ao seu cabelo. Permiti-me perder-me naquele momento. Expulsei qualquer pensamento que não fosse seus lábios indo de encontro aos meus.

E então acabou. Ele se afastou lentamente e meu corpo todo protestou. Ele sorriu. Toquei sua testa com a minha. Meus pensamentos estavam confusos demais para que eu conseguisse pronunciar alguma sentença coerente. Eu não sabia se lembraria nem de como se andava se tentasse levantar agora. Não sentia mais as costelas doerem. Senti os músculos do meu rosto se contraírem e percebi que também estava sorrindo. Enterrei minha cabeça eu seu peito e ele me segurou gentilmente em seus braços. Desejei poder ficar assim para sempre.

Olhei para o horizonte e encarei a sinfonia de cores que se formava. Suspirei. Um novo dia começava. 

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