Qualquer semelhança com a realidade é mera confidencia
Em uma tarde ensolarada de julho, sentei eu meu carro, com o envelope na mão. Estava suando devido à caminhada até o prédio do laboratório. Em pleno inverno, o sol não deveria brilhar tão forte, mas a cidade em que vivia tinha um clima confuso. Tão confuso quanto as milhões de sinapses que meu cérebro realizava a cada minuto. Minha boca estava seca. Procurei por água, mas não havia nenhuma garrafinha de água cheia por perto, embora houvessem diversas vazias espalhadas pelo chão do carro. Até aquele momento, nunca tinha pensado em como isso era irônico. Tentei estimular minha boca a produzir saliva, para que pudesse umedecer os lábios rachados e depois a engoli lentamente. Suspirei e então lembrei do envelope em minhas mãos. Senti receio em abri-lo. Não sei por que. Sabia que provavelmente não teria dado nada... mas e se desse? Nunca havia sido do tipo cerimonial, que ficava encarando algo sem ter coragem de agir. Com esse pensamente, abri o envelope e retirei os papéis que se encontravam dentro. Como não entendo nada da linguagem médica, direcionei meu olhar para a parte em que indicava a "conclusão". Foquei na palavra "normal".
Normal.
Normal.
Normal.
A palavra ecoava em meu cérebro. Eu, normal? Senti uma grande melancolia irromper dentro de mim. Lágrimas começaram a brotar dos meus olhos. Como posso ser normal se... estou em uma batalha diária com meu próprio próprio ser? Como posso ser normal se não consigo manter relacionamentos saudáveis? Como ser normal quando minha própria mente me assombra? Isso está certo? Tem certeza que sentir como se unhas pontudas estão furando seu cérebro toda vez que tenta se concentrar e ser incapaz de produzir um argumento ou discurso coerente é normal?, penso.
A verdade é que mesmo sabendo que não teria, esperava que tivesse um tumor ou algo do tipo. Não, esperava não. Desejava é a palavra. Sim, devo ser a única pessoa na história da humanidade que desejava ter um tumor no cérebro. Não quero fazer pouco caso das pessoas que tem essa condição. Sei que é algo terrível.. sei que muitas famílias sofrem em ver seus filhos, filhas, esposas, maridos, tios e tias lutarem contra a bomba que se encontra em suas cabeças. Sei disso tudo, mas não consigo evitar de me sentir entristecido. Como isso é normal? Um tumor explicaria tantas coisas. E seria reversível. Poderia ser uma sentença de morte. Mas que mal haveria nisso? Não é o que venho desejando há tanto tempo? Mas se fosse reversível... era só tirar e pronto. Meus demônios desapareceriam. Poderia finalmente ser... normal.
Normal
Normal
Meu cérebro aparentemente é perfeito. Não há nenhum problema biológico. Então o que é que afinge minha alma? Tantas pessoas gostariam de estar em minha posição. Gostariam de ter lido as palavras que li. Começo a sentir raiva de mim mesmo por sentir o que sinto. Talvez seja medo ingrato. Talvez seja algum tipo de ironia do destino ou até mesmo castigo divino, pois não tenho nada que comprove aos outros que não, não é minha culpa ser assim. Não sou eu. É o tumor. Não é o tumor. Não é o cérebro. É a mente. Irreversível. Sou eu. Serei assim para sempre. Sou louco. Me internem, pois não há solução para meu problema. Não há cirurgia. Mas quem garante que não estou fingindo? Quem garante que não só sou um covarde, com medo de enfrentar o dia-a-dia. Talvez eu seja... normal. Talvez eu não queira mesmo fazer nada e continuar nesse limbo para sempre.
Poderia eu ser normal, mas estar louco? Ou seria eu louco?
Estou preso dentro de mim mesmo. Grito. Esperneio. Dou piti. Arranho as paredes do meu cérebro com minhas unhas. Enlouqueço.
Mas sou normal.
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