sábado, 14 de maio de 2016

Luzes, Suor & Demônios

Um, dois, três

Eles colocam para dentro aquele líquido amarronzado. Fazem uma careta, mas parecem ter gostado.

Novamente.

Um, dois, três.

Dessa vez o líquido cheira a banana fini. Sinto uma pontada de inveja. Como o motorista, não posso me embriagar. Ou talvez pudesse... só um pouquinho. Não vai dar nada.  Será? O álcool atinge minha garganta e embora queime um pouco, o sabor é doce. De fato parece bananinha. Pronto. Agora vou me controlar.

Saímos. Sinto uma pontada de.. o que? medo? apreensão? Não importa. A internalizo. Vou ficar bem. Todos parecem animados.

Taylor Swift brada "shake it off! shake shake it off!"

Isso. Deixa isso pra lá. Vai ser bom. E ser não for... experiências! Enquanto esperamos na fila, me imagino me perdendo na multidão. Invisível. Mas um invisível bom. Não daquele tipo que costumava ser na escola. Solitário. Incompreendido. Não amável. Não. Só eu e as luzes colorindo meu rosto, transformando as lágrimas em arco-íris. Lágrimas? Não parece certo. Porque haveria lágrimas? Então, a música, as luzes e.. fumaça. Isso. Parece certo.

Entramos. Hm.. a música é muito alta. Espero que eu não fique surdo. E se ficar? Não, esse povo está aqui todo fim de semana e ainda parecem ter seus tímpanos intactos. Que povo mais... feliz? Talvez eu vire um deles. Talvez não me sinta deslocado. Talvez descubra que a minha vida inteira estive me protegendo de algo que só me traria prazer. É uma forma de escape, mas bem eficaz. Talvez traga felicidade. Álcool trás felicidade? Será? Acho que não? Será que estão o usando só para mascarar suas dores? Será que por trás desses rostos bonitos existem pessoas vazias?  Não parece. Não pode ser.

Queria ter bebido. Queria sentir o álcool em meu sangue diluindo as barreiras que construo entre mim mesmo e a dança. É só parar de pensar. Música boa. Se solta. Isso.

De repente sou só eu e a batida. Sinto meus quadris se moverem de forma natural. Olha só, sou menos travado que pensava. Quem sabe alguém não percebe o jeito que me movo e... sei lá. Chama a atenção.

A mente desliga.

"So so what, I'm still a rock star.."

Me movo para lá. Me movo para cá. Pulo. Canto alto. Agora entendo porque as pessoas gostam tanto de vir para essas coisas. Sinto uma sensação de liberdade indescritível. Não tem ninguém me julgando aqui. São todos como eu. Talvez não esteja me movendo tão bem quanto parece, mas quem liga? Ahhhhh

Sinto o suor escorrer, liberando todos os anos de solidão e inadequação acumulados. Sempre disse a mim mesmo que não gostava disso, mas hey! É divertido! Há menos pessoas do que pensava. O espaço é menor do que eu achava. Sou alto demais para me perder na multidão. Não importa. As pessoas dançam. Não existe crise política aqui. Os dilemas e preconceitos da sociedade parecem até distantes. Preciso aproveitar essa sensação. Talvez ela dure para sempre. Espero que sim.

Cadê ele? Ah, ali! Amigo! Dança comigo!

Ele se afasta. Nem ouço para onde vai. Não importa. Estou bem aqui. Pink já dizia "you can always party on your own". Talvez eu mesmo seja suficiente...

Ele volta. Ficou com alguém. Estou feliz por ele. Vem passando por momentos difíceis. Teve o coração dilacerado recentemente por alguém que simplesmente não conseguia amá-lo como deveria. Como ele merece. É bom vê-lo feliz. Sorrindo. Desinibido. É bom saber que a vida pode ser prazerosa.

Nos movemos para o centro da pista. Alguém me chama atenção. Usa um colar. Não consigo enxergar de que é o pingente.  Mantenho meus olhares fixos. Ao redor de mim as pessoas exalam liberdade. Olhares são trocados. Lábios se encontram. Imagino chegando até mim. Não vem. Penso em ir até lá.

Não. Melhor não.

Percebo algo se movendo em minha mente. Não!

Tento impedir.

Não.

A música.

Se concentra na música. Se concentra no suor atingindo a pista de dança. Se concentra nas luzes e no clipe que passa no telão. Você é suficiente. Tá tudo bem. Alguém deve chegar até você.

Não.

Ninguém chega. Porque chegaria? Você é feio.

Quantas horas serão agora?

Hora de trabalhar. Bom... dia para você, ser humano. Bom? por que bom?

Você é gordo.

Ninguém te quer.

Repulsivo.

Ela grita. Não é você! Mas é sim. Ele conseguiu. Ele não precisou fazer nada. Um. Dois. Três.

Talvez possa falar com alguém.

Não. Rejeição.

Rejeição.

É o único cenário possível.

Minha mente está a todo vapor. De repente a liberdade dele me oprime. Sua felicidade me sufoca. Preciso me afastar. Vou para o canto. Observo a multidão. Onde estava na cabeça em vim para um lugar cheio de quem não posso ter? Só queria que alguém me provasse errado.Que alguém cute sorrisse para mim. Que alguém me dissesse que não sou repulsivo.

Por fora.

Por dentro.

Talvez não tenha me arrumado direito.

Não. Genética.

Para de ser ridículo! Vai aproveitar. Ficar sofrendo com algo tão fútil... é estúpido. Cérebro, me ouça! Volte a dormir. Eu até posso cantar canções de ninar para você;

Não vai não. Veio para ficar. De repente eu só queria ir para casa. Sinto uma dorzinha na garganta. Sei que é choro vindo, mas não deixo ele sair. Tento bloquear meus ductos lacrimais. Inspiro fundo e expiro. Engulo o choro, mas ele voltou abrindo um buraco no meu peito. Ah! Esse vazio terrível. Odeio essa sensação. Sensação... nem parece que há... peguei o celular. 2 horas! 2 horas de leveza. Agora a dor é maior do que eu possa suportar.

Muito maior.

Me sufoca.

Sinto minhas entranhas se contorcerem.

Ele vem até mim e pergunta se estou bem. Claro que não, não percebe? Mas não é o que respondo. Me recuso a deixar minha mente estragar a noite dos outros. Só a minha. Isso é inevitável, mas pelo menos posso poupar os outros. Digo para voltar. Ainda bem que ele me escuta.

Encaro o relógio e os minutos lentamente começam a correr. Podemos ir embora!

Entramos no carro. Ele está tão feliz. Me sinto péssimo por me sentir ofendido com sua felicidade. Por que não pode ser eu?

"Que noite fantástica!"

Só quero que ele se cale. Piso no acelerador. Quanto mais rápido ele se for, melhor. Chegamos. Ele se vai. Me agradece. "De nada". Quase um sussurro. Lembro de um tempo em que conseguia ostentar até a mais pesada das máscaras no rosto. Esses dias estão no passado. Meu interior preenche minhas feições. Ainda bem que está escuro.

Ele acha a noite sinistra. Eu sempre achei tranquilizadora. O silêncio. O vazio nas ruas. A serenidade. Sempre me trouxe paz. Tento absorver essa paz.

"Why you wanna fly, balckbird? You ain't never gonna fly"

Meu ouvido está zumbindo, mas a voz poderosa de Nina Simone ainda consegue chegar até ele. O que estava pensando? Porque achei que poderia ser diferente? Para que essa necessidade de afirmação? Para que sonhar com algo que nunca virá? Você é oco. E nem mesmo tem uma casca bela.

"I guess I rather hurt than not to feel nothing at all"

Não, Lady Antebellum. Vocês estão enganados. Se prefere a dor, deve ser porque nunca sentiu algo com uma magnitude semelhante à minha. Só quero que ela desapareça. Preciso me anestesiar.

Há poucos carros na estrada. Não há curvas. Então enfio o pé.

80.

90.

100.

120. O mais rápido que já cheguei. Será que consigo ir além?

130. O carro sai do meu controle.

140. Que sensação... a adrenalina pulsa em minhas veias. O perigo eminente é assustador, mas excitante.

Lá vem a clareza. Estúpida clareza. Não é tão perigoso assim. Vale a pena. Sinto que estou voando pelo asfalto. Não ouço mais a música, tampouco as vozes que sussurram no meu interior.

03:33. Dizem que esse é o horário em que os demônios andam livres na terra. Bem, os únicos demônios que consigo reconhecer moram dentro de mim. Mas a 140 km/h eles não conseguem me alcançar. Não posso parar ou eles vão me alcançar.

Sigo em frente. A vontade de chorar passou. Percebo que a confusão de pensamentos está finalmente voltando a diminuir e eu consigo me concentrar só na estrada.

É então que algo me chama a tenção. Piso no freio. Volto a andar no asfalto.

Uma luz.

Um flash.

A clareza retorna e ela me faz entender o que está prestes a acontecer.

Merda.


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sábado, 16 de abril de 2016

Desconexo?



Despido, tremendo de frio, pulmões em fogo, chorei


Um choro amargo, desesperado, desamparado


Mesmo sem saber por que, por conexão com o outro clamei


E então, no calor do seio recebi o que por mim era desejado






Espantei-me ao ver aquele mar de criaturas


Lá me lançaram dizendo “Querido, faça um amigo!”


Senti meu rosto queimar. “Que realidade dura!”


“Não fui feito para isso. Pra que? não tem motivo!”






Somente comigo mesmo decidi então conviver


Isolei-me, já que “não sou ser social”


“Por pessoas não vou mais sofrer!”






Foi então que em um dilema um dia me encontrei


Poderia ter acontecido algo especial?


Sim. Me apaixonei







  
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